sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

DESENVOLVIMENTO COMO LIBERDADE
Prêmio Nobel de 1998, nascido em Santiniketan, na Índia em 1933, economista e filósofo, formou-se pela Universidade de Cambridge (1952), Amartya Kumar Sen notabilizou-se por seus trabalhos sobre a economia do bem-estar social. Quando de seu retorno à Índia, deu conferências na Universidade de Jadavpur e tornou-se professor da Escola de Economia de Délhi.
Sen, intensamente marcado pela fome que ainda atinge seu país aprofundou seus estudo nas economias dos países em desenvolvimento e as condições de vida das populações mais pobres do planeta. Em 1981 escreveu seu livro mais conhecido, “Pobres e Famintos: Um Ensaio sobre Direito e Privação”. Em 1999 publicou “Desenvolvimento como Liberdade”, foco principal deste aporte teórico.
Analisando catástrofes na Índia, em Bangladesh, na Etiópia e no Saara africano, Sen demonstra que até quando o suprimento de alimentos não é significativamente inferior comparado ao de anos anteriores, pode ocorrer privação e fome. Sua conclusão é que a escassez de comida não constitui a principal causa da fome como acreditam os acadêmicos, e sim a falta de organização governamental para produzir e distribuir os alimentos.
Hoje o autor é reitor da Universidade de Cambridge é ainda professor de universidades da Europa, dos Estados Unidos e da Ásia. Intelectual cujos múltiplos interesses são entrelaçados por um humanismo incondicional.
Entendendo as desigualdades do mundo contemporâneo como principais obstáculos ao seu desenvolvimento humano e social, Sen realiza uma verdadeira anatomia dos fundamentos da injustiça, em que aponta as contradições das correntes jurídicas atualmente dominantes. Oferece uma nova visão acerca de conceitos tais como miséria, pobreza, fome e bem-estar social.
Para Amartya Sen, o desenvolvimento tem que estar relacionado, sobretudo com a melhora da vida dos indivíduos e com o fortalecimento de suas liberdades. Explica como o desenvolvimento depende também de outras variáveis, além das tradicionais citadas anteriormente, ampliando assim, o leque de meios promovedores do processo de desenvolvimento. Dessa forma o autor aponta, além da industrialização, do progresso tecnológico e da modernização social, as disposições sociais e econômicas, a exemplo dos serviços de educação e saúde, e os direitos civis, tal qual a liberdade política, como exemplo de fatores de promoção de ‘liberdades substantivas’.
O êxito de uma sociedade deve ser avaliado através das liberdades substantivas que os indivíduos dessa determinada sociedade desfrutam. Tal modelo de avaliação do êxito de uma sociedade difere do modelo de avaliação clássico, que se foca apenas em variáveis como renda real.
Sen fala sempre de “liberdades substantivas”. Tais liberdades seriam os frutos do desenvolvimento, em que a falta de disposições sociais e econômicas, tais como os serviços de saúde e educação, limitam a atuação livre dos cidadãos impedindo-os de se alimentarem adequadamente, adquirirem remédios e tratamentos, obterem conhecimento e instrução e uma variedade de opções de formação técnico-profissionalizante.
Um indivíduo tem sua liberdade limitada quando enfrenta tais carências, às vezes obrigado a viver em condições degradantes, sem perspectivas de alcançar idades mais avançadas ou de participar de maneira atuante na política, a exemplo do modelo proposto por Jürgen Habermas (1994) acerca da cidadania deliberativa, no qual os atores sociais devem deliberar em conjunto na elaboração e implantação das políticas públicas.
O desenvolvimento, segundo Amartya Sen, não pode ser analisado apenas segundo o modo tradicional restritivo do crescimento do PIB e da renda. Lança alguns exemplos para demonstrar essa teoria, que põem em cheque a eficácia desse tipo de perspectiva e ilustram sua teoria do desenvolvimento como liberdade. Para o autor:
O que as pessoas conseguem realizar é influenciado por oportunidades econômicas, liberdades políticas, poderes sociais e por condições habilitadoras, como boa saúde, educação básica, incentivo e aperfeiçoamento de iniciativas (SEN, 2012, p. 18).

A liberdade procedente desses arranjos institucionais é influenciada pelos próprios atos livres dos agentes, como uma via de mão dupla, diante da liberdade de participar de escolhas sociais e tomadas de decisões públicas, que conduzem o avanço dessas oportunidades. As liberdades constitutivas, como a liberdade de participação política, de receber educação básica e assistência médica, não apenas colaboram para o desenvolvimento, como são decisivas para o fortalecimento e expansão das próprias liberdades constitutivas.
De maneira inversa, a limitação de uma liberdade específica, tal como uma privação de liberdade econômica, por pobreza extrema, por exemplo, contribui para a privação de outras espécies de liberdade, como a social ou a política, tornando esse processo um encadeamento no qual há influências recíprocas e interligadas. Para Sen, as liberdades denominadas como “instrumentais” (liberdades políticas, econômicas, sociais, garantias de transparência e segurança protetora) têm a capacidade de ligarem-se umas às outras contribuindo com o aumento e o fortalecimento da liberdade humana de modo geral.
A análise que faz acerca do desenvolvimento contempla particularmente a expansão das “capacidades” das pessoas no sentido de terem condições de levar o tipo de vida que valorizam, as quais não são necessariamente comuns a todos. Essas capacidades podem ser aumentadas pela política pública, mas a direção desta política pode ser influenciada pelo uso efetivo das capacidades participativas dos indivíduos. Essa relação de certo modo dialética é fundamental em todo o processo proposto pelo economista.
Ponderando e comparando os níveis de renda de grupos populacionais dos Estados Unidos, por exemplo, Sen aponta como a população afro-americana é relativamente mais pobre que a de americanos brancos, mas muito mais ricos quando comparados com habitantes oriundos do chamado Terceiro Mundo. Todavia, os afro-americanos têm chances absolutamente menores de alcançar idades mais avançadas quando comparados a esses mesmos habitantes do Terceiro Mundo, como China, Sri Lanka ou partes da Índia, ainda que possam se sair melhores em termos de sobrevivência nas faixas etárias mais baixas.
A explicação para esses contrastes decorrem de disposições sociais e comunitárias como cobertura médica, serviços de saúde públicos, educação escolar, lei e ordem, prevalência de violência, entre outros. Comparando tais grupos diante desta perspectiva, fica evidente que os afro-americanos são, nesse caso, mais excluídos e limitados no que se refere à liberdade do que os chineses ou indianos, ainda que detenham maior renda quando comparado a estes mesmos grupos. Este exemplo é terminante para apreender o significado legítimo do desenvolvimento. Mostra o quanto percepção e avaliação de desenvolvimento ficam limitados quando aferidos unicamente através da renda.
Amartya Sen em nenhum momento deixa de lado a importância dos mercados para o processo de desenvolvimento, tampouco de sua contribuição para o elevado crescimento e progresso econômico. No entanto, alerta que aceitar que sua contribuição influenciaria somente o crescimento econômico seria restringir o papel dos mercados, pois a liberdade de troca e transação é ela própria uma parte essencial das liberdades básicas que as pessoas têm razão para valorizar:
A contribuição do mecanismo de mercado para o crescimento econômico é obviamente importante, mas vem depois do reconhecimento da importância direta da liberdade de troca – de palavras, bens, presentes. (...) a negação do acesso aos mercados de produtos frequentemente está entre as privações enfrentadas por muitos pequenos agricultores sujeitos à organização e restrição tradicionais. A liberdade de participar do intercâmbio econômico tem um papel básico na vida social (SEN, 2012, p. 20,21).

Significa que, entrar em mercados livremente, em contraposição ao trabalho por coação, ou por falta de outra opção, contribui por si só, e é fundamental para o desenvolvimento, independentemente de suas influências para a promoção do crescimento econômico ou para a industrialização.
Amartya Sen realiza seus estudos observando sistemas políticos diversos, incluindo os modelos ditatoriais. Por essa razão aponta o sistema político democrático como a ponte mais adequada em direção a uma das liberdades principais, a liberdade política. O autor demonstra que no modelo democrático os demais tipos de liberdade podem ser fortalecidos e que nesse sistema é nula a ocorrência de ‘fomes coletivas’ ente outros desastres econômicos. Há pobreza, pobreza extrema, mas nunca fome coletiva, o que de fato ocorre em muitos governos totalitários.
Esses fenômenos negativos são imensamente maiores em países com regimes ditatoriais e opressivos. Governantes ditatoriais não são estimulados a tomar medidas preventivas acerca dessas questões, pois não precisam apresentar projetos para vencer eleições, ao contrário do que acontece num ambiente democrático.
Pessoas sem liberdades políticas ou sem direitos civis estão privadas de liberdades importantes para conduzir suas vidas e de participar de decisões terminantes ligadas a assuntos públicos, restringindo suas vidas social e politicamente. Desse modo, todos os tipos de privações devem ser considerados repressivos, mesmo que não acarretem outros males.
Amartya Sen encontra uma metodologia bastante distinta das tradicionais para entender o processo do desenvolvimento. Faz uma aproximação com a filosofia de Aristóteles no que se refere à riqueza (que por si própria não seria o bem que os homens almejam, e sendo sua utilidade avaliada tão somente diante de sua capacidade de obter alguma outra coisa). A riqueza por si só não seria o alvo de interesse real (ou primeiro) dos indivíduos, mas sim as experiências e estilos de vida com os quais a riqueza estabelece pontes.
As liberdades, dessa forma, precisam ser encaradas idealmente como meios e fins ligados ao desenvolvimento, de modo a alcançar um grau de liberdade consolidado que possa vir a ser cada vez mais usufruído pelos indivíduos. A abordagem geral se concentra nas capacidades de as pessoas fazerem coisas que elas têm razão para prezar e na sua liberdade para levar um tipo de vida que com razão valorizam.
Em “Desenvolvimento como Liberdade”, a perspectiva baseada na liberdade pode levar em conta “o interesse do utilitarismo[1] no bem-estar humano, o envolvimento do libertarismo[2] com os processos de escolha e a liberdade de agir, e o enfoque da teoria rawlsiana[3] sobre a liberdade formal e sobre os recursos necessários para as liberdades substantivas” (SEN, 2012, p.118).
Quando Sen fala de mercados, liberdade e trabalho - reconhece seus méritos. O enfoque tradicional costuma ser o dos resultados que esses mercados produzem, como por exemplo, as rendas ou utilidades geradas por eles. Mas para o autor, o argumento ainda mais importante em favor da liberdade de transações dos mercados baseia-se na importância fundamental da própria liberdade. “Temos boas razões para comprar e vender, para trocar e buscar um tipo de vida que possa prosperar com base nas transações” (SEN, 2012, p.151). Sen resgata a função ubíqua das transações da vida moderna, que com frequência passa despercebida e é desvalorizada, por parecer natural e inquestionável. Assim, a análise do desenvolvimento e o papel da ética empresarial elementar, segundo sua ótica, devem ser retirados da obscuridade e receber um reconhecimento.



[1] O Utilitarismo visa alcançar o maior valor da existência humana, a felicidade, não no sentido meramente individual, mas no aspecto coletivo. Economicamente, é também a vantagem de todos que deve servir de parâmetro para se tomar ou não uma decisão, ciente de que ela é ou não correta.
[2] Na área civil, o Libertarismo defende todas as liberdades individuais e se opõe a todas as tentativas do governo de moldar as vidas dos cidadãos. Na área econômica, o Libertarismo contesta o direito do governo de restringir o livre comércio de qualquer forma ou forçar os cidadãos a financiar através de impostos projetos que eles jamais apoiariam num ambiente de livre mercado.
[3] A Teoria da Justiça de John Rawls: no quadro do liberalismo social de hoje, retoma a discussão ocorrida nos tempos da Grécia Antiga, na "República", de Platão. Ocasião em que, por primeiro, debateu-se quais seriam os fundamentos de uma sociedade justa. Para Rawls os seus dois pressupostos são: 1) igualdade de oportunidade aberta a todos em condições de plena equidade e: 2) os benefícios nela auferidos devem ser repassados preferencialmente aos membros menos privilegiados da sociedade, os worst off, satisfazendo as expectativas deles, porque justiça social é, antes de tudo, amparar os desvalidos. Para conseguir-se isso é preciso, todavia, que uma dupla operação ocorra. Os better off, os talentosos, os melhor dotados (por nascimento, herança ou dom), devem aceitar com benevolência em ver diminuir sua participação material (em bens, salários, lucros e status social), minimizadas em favor do outros, dos desassistidos (RAWLS, 1997).

SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. Ed. Schwartz S.A., São Paulo, 2012
CORREIA, Beatriz S.; SILVA, Maclovia C.. Retrofit em baldios urbanos industriais: uma estratégia de desenvolvimento. Barcelona: NEA, 2015

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