sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

RETROFIT ARQUITETURAL


RETROFIT ARQUITETURAL
#retrofit
#Matarazzo
#Jaguariaíva
Considerando que a arquitetura atende às necessidades das pessoas em conjuntura histórica e social, as edificações vão perdendo a sua finalidade e necessitam de adequação no tempo e no contexto da atualidade: usos, normas, tecnologias e funcionalidade. Existe um serviço de renovação nomeado de retrofit que mantém as características originais do prédio, prolonga sua vida útil e pressupõe uma interferência integral.
A renovação de elementos arquitetônicos demanda a instalação de dispositivos técnicos fabricados em tempo diverso dos existentes. Dessa forma, arquitetos estabelecem relações entre o uso da ferramenta do retrofit e as inovações tecnológicas. Quando os recursos tecnológicos aplicados aos projetos inserem-se na realidade das condições do edifício, surge um novo campo de atuação para que o profissional possa dar uma utilização adequada às velhas edificações.

Cabe aos gestores da construção civil, em particular aos que irão embrenhar-se na recuperação, manutenção e restauração de edifícios, considerarem que os aspectos ambientais de uma construção são tão relevantes quanto os aspectos técnicos e econômicos, considerando que mesmo um retrofit causaria impacto no meio natural. Assim, adotarem uma postura técnica que contribua para minimizar tais impactos utilizando tecnologia limpa e não poluente utilizada em pequena ou grande escala que possua a possibilidade de ser absorvida pela sociedade como um todo (MORAES; QUELHAS, 2012, p. 451).

A forma como se resgata a memória histórica de um imóvel é outro aspecto das atuações sobre os processos de decomposição de um edifício.  Halbwachs (2015) adverte que a história não é tudo que fica no passado, pois existe uma história viva que se imortaliza ou se reaviva no tempo produzindo novos modelos. Na cidade de Presidente Prudente, no Estado de São Paulo, arquitetos fizeram ressurgir elementos da memória histórica do período modernista (1950) retratado em uma residência por meio da técnica do retrofit.

Projeto de reforma e interiores de uma residência com características modernistas na cidade de Presidente Prudente, elaborado para a disciplina de interiores comercial, da pós- graduação de arquitetura de interiores, em parceria com as Arquitetas Camila Zorato e Natâni Rumin. Esse projeto visa realizar um retrofit sem criar um falso-histórico, portanto, buscou-se preservar os elementos modernistas e elementos históricos da residência, restaurando-os, como o revestimento de pastilha, pilotis e o piso de taco, e realizar uma intervenção contemporânea, porém mantendo o equilíbrio entre os elementos, resultando no projeto do Café Retrô (PORTFÓLIO, 2015).

O conceito de memória, segundo o filósofo e sociólogo Maurice Halbwachs (2015), remete às recordações e lembranças individuais armazenadas. Estas, porém, nunca estão descontextualizadas de testemunhos de um grupo específico que reforça ou enfraquece uma informação. Não se pode negar a subjetividade de reflexões, contudo ela tem limites. Existem laços sociais que materializam discursos individuais e compartilham identidades e significados.
Para a arquiteta Lina Bo Bardi a intenção do retrofit é interferir em uma construção existente utilizando a linguagem contemporânea. Ela explica o que seria o cerne do retrofit: "Na prática, não existe o passado. O que existe hoje e não morreu é o presente histórico. O que você tem que salvar - salvar não, preservar - são certas características típicas de um tempo que pertence ainda à humanidade" (VERNILO et al., 2015, p. 937).
Jacques Le Goff, historiador francês, reconhece o trabalho de Halbwachs para buscar conceituar aspectos deste tempo e acrescenta a ideia de existirem lutas pelo poder com o intuito de selecionar lembranças que permanecem nas relações contínuas entre o presente e o passado. Lavabre (2015), em seu artigo sobre usos e desusos (mesusages) dá uma noção de memória e afirma que o conceito resiste às polissemias, às cronologias de significações, à falta de consensos, críticas, e que esse conceito, apesar de tudo, continua existindo como fenômeno social.

Souvenir de l’expérience vécue, commémorations, archives et musées, mobilisations politiques de l’histoire ou “invention de la tradition”, monuments et historiographies, conflits d’interprétation, mais aussi oublis, symptômes, traces incorporées du passé, occultations et falsifications de l’histoire: la “mémoire” embrasse décidément trop et signale par là-même le caractère métaphorique de son usage (LAVABRE, 2015, p. 48)[1].

A memória individual, impregnada de tudo citado pela autora, é uma atividade construtiva e racional da mente, com suas dimensões imaginativas e sensoriais, composta de sentimentos, palavras e ideias, esboça pontos de vista de um ambiente e de relações estabelecidas entre os integrantes de um grupo.
Quanto mais inseridos estão os sujeitos em um grupo, mais condições eles têm de retomar “as suas memórias como também de contribuírem para a recuperação e perpetuação da memória do grupo” (LEAL, 2015, p. 6), agregando pareceres e relatos que os identificam. O passado é reconstruído a partir do presente, direcionado pela vontade de organizar as representações.   

A identificação de um contexto temporal que particulariza aquele acontecimento diante de muitos outros pode possibilitar que ele seja lembrado por meio de vestígios que se destacam quando pensamos no momento em que ele ocorreu. Nas palavras de Halbwachs (2006, p. 156), “os limites até onde retrocedemos assim no passado são variáveis segundo os grupos e é o que explica porque os pensamentos individuais conforme os momentos (...) atingem lembranças mais ou menos remotas” (LEAL, 2015, p.6-7).
O retrofit é uma ferramenta de revitalização que faz uso das tecnologias dos materiais para manter lembranças perdidas e atender às necessidades de eficiência e conforto dos usuários da cidade. Nas práticas, são empregados recursos diversos daqueles aplicados em reformas para modernizar e readequar instalações e equipamentos. A forma de trabalhar diferenciada da convencional enfrenta os desafios dos riscos, da imprevisibilidade, da produtividade, do planejamento e da mão-de-obra.
No conceito do termo retrofit estão presentes duas ações obrigatórias que o caracterizam na ambientação: (a) mudança de uso; e (b) renovação do que era retrógrado com a permanência da obra arquitetônica. Em outras palavras, pode-se dizer que uma história esconde-se atrás de novas obras e fica coerente com o presente. Seria como dar validade a estruturas e fundações de qualidade de uma edificação que estava esquecida, abandonada, deteriorada... Um exemplo ilustrativo é o caso “Saúde · Retrofi­t”, uma obra realizada para o IX Grande Prêmio de Arquitetura Corporativa.

A proposta arquitetônica do projeto apresentado pela DASA tem como foco o bem-estar do paciente. Há uma atenção especial aos espaços de espera, estar e contemplação, marcados pela diversidade de materiais cujo objetivo é amenizar o caráter institucional e impessoal que normalmente os ambientes de saúde apresentam. A decoração deixa bem clara a intenção, de mesclar o antigo e novo, respeitando a riqueza da arquitetura do edifício - um casarão de estilo eclético, tombado em nível municipal no ­final do século XX. (MORAIS, 2015, p. 34).

            O retrofit pode também estar refletido além da arquitetura também na decoração, pois ao mesmo tempo dissolve as finalidades projetadas para edifícios históricos sem deixar de falar do seu passado e cogitar seu futuro. São readaptações que portam e ostentam títulos como indústria, palácio, clube, hípica e outros, mas que têm usos internos pendentes, imprevisíveis e incompletos que dependem de manutenção e consumo.  Sem deixar de representar a arquitetura da época, a plástica contribui para que ele permaneça no tempo e no conjunto urbano. “O propósito do retrofit [é] a renovação arquitetônica do edifício e a ampliação dos espaços internos para atender uma maior demanda da empresa, [instituição] ocupante” (WERTHEIMER, 2015, p. 43). No retrofit feito na sede corporativa da Roche Pharma

[...] foi adicionado ao edifício original, um novo pavimento construído em estrutura metálica com a inclusão de um grande pórtico para valorizar a entrada e a recepção. Elementos não estruturais de fachada foram removidos, possibilitando maiores vãos com esquadrias e vidros de última geração, maximizando o aproveitamento da iluminação natural e a apreciação do jardim. Uma nova prumada de elevadores foi criada para adequar o fluxo vertical ao aumento da área útil dos pavimentos, tendo sido também necessária a criação de uma nova escada de emergência. Todas as instalações e infraestruturas foram modernizadas. De forma inovadora, o projeto alia modernidade e conforto. O pavimento térreo abriga áreas para visitantes, salas de reunião multifuncionais, cafés e pátios internos para reuniões informais e descanso (WERTHEIMER, 2015, p. 43).

            A passagem do tempo nos diz que o edifício pode ou não permanecer atraente. Então, seriam necessárias ações de renovação e mudança de uso para adquirir outra representatividade? Sim, pois o objeto arquitetônico perdeu sua função e o espaço não mais condiz com as exigências técnicas e as normas de segurança. Todavia, as adequações construtivas, preservando sua originalidade, são feitas a partir de estudos criteriosos de viabilidade que giram em torno de custos e benefícios.
No projeto da arquiteta Betty Birger - um centro de treinamento regional do SEBRAE na cidade de São Paulo - exemplifica os diferenciais encontrados em um projeto de retrofit comparado aos de uma reforma[2]. O desafio foi “metamorfosear” um edifício tradicional de oito andares em um centro multidisciplinar para capacitar e formar os integrantes do Serviço Brasileiro de Apoio de Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE). Este espaço visa prover pessoal treinado, incluindo a oportunidade de reciclar saberes e conhecimentos, motivadores do desenvolvimento pessoal e profissional.

O novo ambiente deveria refletir os conceitos da empresa que é inovadora, de vanguarda, empreendedora, referência e conectada. Os espaços foram projetados visando a criação de recintos que estimulem a integração e inovação, sustentáveis, inspiradores, flexíveis e agradáveis. Adotamos como diretrizes: ambientes saudáveis (luz do dia / vista, ar, temperatura); espaços e materiais sustentáveis; efi­ciência de energia; “Future proofed” – capacidade para crescer e diminuir; móvel / mutável; o espaço refletindo a imagem e cultura da empresa; acessível, confortável e atrativo (BIRGER, 2015, p. 43).

É preciso que o retrofit, enquanto conceito aplicado na arquitetura urbana valorize o imóvel e mude sua aparência envelhecida, sobretudo aqueles situados em locais onde o potencial construtivo está esgotado. Por isso, fazem parte desta técnica ações de demolição de partes da construção existente, o reforço estrutural, os fechamentos internos, os acabamentos, as substituições na rede hidráulica, elétrica e telefônica, a climatização e intervenções nas fachadas e nos pisos.
Estas mudanças também reduzem a carga térmica, o consumo de água, energia e as emissões de CO2, quando privilegiados os materiais modernos como as placas solares, recursos de controle solar (brises), sistemas de aproveitamento das águas pluviais, iluminação e ventilação naturais, o uso de técnicas e diversidade de materiais da construção sustentável.  Mantém-se o compromisso com as características da arquitetura original, simultaneamente renova-se a estrutura e potencializa-se seu desempenho predial, compatibilizando-a com as restrições urbanas e ocupacionais.
Outras ideias que estão na raiz do conceito de retrofit transcorrem por soluções corretivas, atualização tecnológica, preservação da identidade, viabilidade econômica para o investidor e incorporação produtiva do edifício no conjunto urbano.  O conceito se aplica também em grandes áreas urbanas e construções que apresentam limitações estruturais e necessitam adequações geográficas e físicas.
Também chamado de reciclagem tecnológica, esta modalidade construtivo-arquitetônica se aplica a qualquer tipo de edificação. É uma alternativa sustentável de renovação, sobretudo para aqueles imóveis bem localizados, patrimônios históricos e marcos importantes, muitas vezes ícones socioculturais.  
Em 1997, o governo dos Estados Unidos da América escolheu o retrofit para a modernização de um dos edifícios mais icônicos da história americana: o Pentágono. O maior edifício administrativo do mundo era então um dinossauro tecnológico, muito próximo da morte, com instalações elétricas, hidráulica e lógica em ruínas, as quais continham inúmeros materiais tóxicos como amianto e mercúrio, entre outros. Sua reabilitação estrutural e tecnológica nos moldes de um retrofit custaria mais do que o dobro da opção de fazer uma nova casa. Apesar dos custos, a opção do governo baseou-se no indiscutível valor histórico e simbólico do edifício. O artigo de Evey (2015), fala de seu papel na direção das obras de retrofit, quando pôde verificar como as pessoas estavam convencidas do forte significado deste imóvel para o povo americano.

As the former manager of the Pentagon Renovation Program, I have often listened as people have related […] their vivid memories of September 11, 2001[…]. More than U$4 billion were designated for these program, the largest design and construction program of its type in U.S. history […] One truth gave me hope: I was convinced that people strive and succeed not just for money and not just because a book of regulations tells them to. They strive when they believe in a cause and are led by people who share that belief and are willing to personally sacrifice to reach those common goals (EVEY, 2015)[3].


            Entretanto, o projeto de retrofit do Pentágono tomou uma importância muito maior com o advento dos ataques terroristas de 2001.  Aos planos iniciais foram adicionadas ações de segurança antes não previstas, tais como vidros térmicos antibombas, paredes de concreto duplicadas e uma tela interna que amparasse estilhaços de alvenaria. Pode parecer ilógico, mas o edifício do Pentágono levou 16 meses para ser construído, e no entanto, exigiu 16 anos para ser modernizado. Uma obra hercúlea baseada mais no valor sentimental de uma nação do que propriamente no sentido prático e financeiro, o que vem a corroborar com ideia de preservação e conservação de valores culturais e simbólicos por grupos relevantes ou mesmo uma nação inteira.
           




[1] Lembrança de experiência vivida, comemorações, arquivos e museus, mobilizações políticas da história ou “invenção da tradição”, monumentos e historiografias, conflitos de interpretações, mas também esquecimentos, sintomas, traços incorporados do passado, ocultações e falsificações da história: a “memória” abraça decididamente, em excesso, e assinala por aqui mesmo o caráter metafórico de seu uso (tradução livre).  
[2] Reforma é o “ato ou efeito de reformar; mudança para melhor; melhoramento; conserto; reparação; modificação; reorganização, substituição de objetos fora de uso; nova forma, intervenção que busca o retorno à função original [...] sem preocupação quanto à  preservação” (FLEMMING; QUALHARINI; 2015, p. 5).
[3] Como o ex-gerente do Programa de Renovação do Pentágono, muitas vezes tenho escutado como as pessoas têm relacionado [...] às suas memórias vívidas de 11 de Setembro de 2001 [...] mais de U$ 4 bilhões foram destinados ao projeto, o maior programa de concepção e construção de seu tipo na história dos EUA [...] Uma verdade me deu esperança: eu estava convencido de que as pessoas se esforçam pelo sucesso não apenas por dinheiro, e não apenas porque um livro de regulamentos lhes diz isso. Elas se esforçam quando acreditam em uma causa e são lideradas por pessoas que compartilham essa crença e estão dispostas a se sacrificarem pessoalmente para alcançar objetivos comuns (Evey, 2015).

BIBLIOGRAFIA:
BIRGER, Betty.  Centro empreendedor. Disponível em: <http://www.flexeventos.com.br/_pdfs/publicacoes/arquishow-721.pdf>. Acesso em: 31 mar. 2015.
EVEY, Walker Lee. The Secrets to the Pentagon Renovation Program's Success. How one of the nation's largest reconstruction projects was completed ahead of schedule and under budget. Disponível em: <http://www.constructionbusinessowner.com/management/workforce-management/september-2014-secrets-pentagon-renovation-programs-success>. Acesso em: 3 mai. 2105. 
HALBWACHS, Maurice; DÍAZ, Amparo Lasén.  Memoria colectiva y memoria historica. Disponível em:
<http://www.jstor.org/discover/10.2307/40183784?sid=21106328522163&uid=2&uid=3737664&uid=4>.  Acesso em: 23 mar. 2015.
LAVABRE, Marie-Claire. Usages et mésusages de la notion de mémoire. Disponível em:
<http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/criti_1290-7839_2000_num_7_1_1560>. Acesso em: 16 abr. 2015.
LEAL, Luana Aparecida Matos. Memória, rememoração e lembrança em Maurice Halbwachs. Disponível em:
<http://www.letras.ufscar.br/linguasagem/edicao18/artigos/045.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2015.LE GOFF, Jacques. Por amor às cidades. São Paulo: Ed. Unesp,1997.
MORAES, Virgínia Tambasco Freire;     QUELHAS, Osvaldo Luiz Gonçalvez. Desenvolvimento da metodologia e os processos de um “retrofit” arquitetônico. Sistema & Gestão, n. 7, 2012, p. 448-461. 
MORAIS, Leonardo. Laboratório lâmina: DASA – gestão de projetos e obras. Disponível em: <http://www.flexeventos.com.br/_pdfs/publicacoes/arquishow-721.pdf>. Acesso em: 31 mar. 2015.
PORTFÓLIO - Proposta retrofit rara residência modernista. Disponível em: <http://auemrede.au.pini.com.br/emrede/membro/thays-carolina-carrion-lorente/proposta-retrofit-para-residencia-modernista-17670.asp>. Acesso em: 24 abr. 2015.


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